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quarta-feira, 14 de abril de 2010

O famigerado concurso













Os escravos e os burocratas trapalhões
Santana Castilho *
Demorei 40 minutos a ler as 9 páginas do Aviso nº 7173/2010, que indica aos interessados o processo pelo qual se podem candidatar a suprir as necessidades transitórias de pessoal docente para o ano escolar de 2010 – 2011. Considero-me relativamente familiarizado com a linguagem dos burocratas de serviço, à força de tanto tropeçar com ela. Mas esta é tão prolixa que, se tivesse a desdita de me submeter a tal “procedimento concursal”, teria horas e horas de consulta da selva legislativa citada e de descodificação do que se me aplicaria. Leiam os portugueses cépticos o Diário da República nº 69, 2ª série, de 9 de Abril, páginas 18354 a 18362.
Se a forma me revolta, o espírito enoja-me. A que chamam necessidades transitórias? A milhares de postos de trabalho, em horário completo, que se repetem sistematicamente, ciclo após ciclo. Em 2009 – 2010 foram assim preenchidos cerca de 15.000 lugares. A estes acrescem outros tantos “tarefeiros”, que garantem as actividades de enriquecimento curricular, e mais uns milhares com horários incompletos. Para subsistirem, escravos do século XXI, os professores contratados concorrem a tudo de olhos vendados e alma amordaçada.
Recebo narrativas de vidas de professores que há 15 anos são sistematicamente colocados em horários completos. E gente sem vergonha continua a chamar a isto “necessidades transitórias”. Estes professores não podem ter vida conjugal. Não podem ter casa. Não podem dar estabilidade aos filhos. São vítimas de um nepotismo executivo que arrasta esta situação há 36 anos.
Sei do que falo e tenho autoridade para falar. Quando, há 28 anos, integrei o Governo, já o problema se punha. Fiz depender a minha entrada da aceitação, entre outras medidas, da contratação definitiva de todos os professores com 3 anos seguidos de serviço docente, em horário completo. O diploma foi feito e a medida foi publicamente anunciada, não para 3 mas para 5 anos. Já na altura argumentava, com cobertura do ministro da Educação, Fraústo da Silva, e do primeiro-ministro, Pinto Balsemão, que era imoral e insustentável que o Estado exigisse aos particulares a contratação definitiva ao fim de 3 anos de precariedade e depois não cumprisse ele, Estado, aquilo que exigia aos outros. A medida não passou do papel e foi uma das causas da minha demissão.
Os concursos, que estavam estabilizados, eram relativamente simples e funcionavam relativamente bem, tornaram-se cada vez mais complexos e iníquos. A precariedade e a instabilidade tornaram-se escandalosas (nos últimos 3 anos saíram dos quadros mais de 14.000 professores e não chegaram a 400 os que entraram) e os burocratas ficaram trapalhões. Cada vez que abre um concurso, a trapalhice aflora. Ela aí está instalada, mal abriu este.
Estando lá e resultando da leitura cruzada de vários diplomas que se aplicam, a FENPROF não viu que no aviso em epígrafe é considerado o resultado da contestada avaliação do desempenho, para efeitos de graduação profissional. Assim o afirmou de manhã, para se contradizer à tarde. Dispondo a aplicação informática da Direcção-Geral dos Recursos Humanos da Educação de campos distintos para averbar a menção quantitativa e a menção qualitativa da classificação profissional dos docentes, rapidamente se verificou uma situação caricata, gerada pela incompetência que grassa: como é sabido, se um professor recebeu 9 de menção quantitativa, a que corresponderia um Excelente que não viu outorgado (regime de cotas para os excelentes), mais verificou que a cegueira da aplicação informática não lhe aceitava o 9 da avaliação quantitativa. Apenas se compadecia com um 7, por exemplo, que ele não teve. Ou seja, a burrice da coisa (ou dos coisos, que gente não são certamente) penaliza-o duplamente.
Surpresa? Não para muitos. Assim como um peixe pode nadar para aqui e para ali mas não pode passear-se em terra nem voar pelo céu, o celebrado Acordo só poderia dar nisto. Mais de 3 meses de conversa fiada deram, espremidos, tudo legalmente na mesma. Na mesma uma avaliação do desempenho sem rei nem roque, a que juntaram mais uma excrescência mole: apreciação intercalar, de seu nome. Terminarão premiados os oportunistas que avançaram para o Bom e Excelente, contrariando o que Mário Nogueira garantiu ao povo? Em boa verdade, presumo que mais um jogo conciliatório de cintura o evitará a breve trecho. Mas porque nenhuma legislação o modificou, terão então a protestar, com razão legal, os que se virem rapados de um ou dois valores de majoração, para efeitos de concurso. Uma trapalhada, sem volta a dar-lhe, que começou quando não suspenderam o que só podia ter o lixo por destino.
Na mesma o estatuto, com titulares e não titulares e horários de escravidão e inutilidades. Na mesma os planos de estudo, sujeitos á cosmética dos esteticistas do regime. Na mesma o estatuto do aluno, reforçado com o branqueamento de inquéritos inoperantes e promessas de modificações que já existem. Na mesma a gestão das escolas, transformadas em pequenas ilhas de tirania, em locais de subjugação, de vivência dolorosa e inútil.
A Educação nacional é governada por “snipers” da portaria e do despacho, que usurparam a democraticidade, destruíram a cooperação e ocuparam os centros de decisão com a política dos políticos, estejam eles no governo ou nos sindicatos.

* Professor do ensino superior. s.castilho@netcabo.pt






sábado, 10 de abril de 2010

De novo os suicídios: a palavra de Santana Castilho













«Escolas são ilhas de tirania»
Santana Castilho diz que «assédio moral» está a transformar as escolas em locais de subjugação 


Por: Redacção /Aline Raimundo  |  09-04-2010  10: 28




Ilhas de Tirania


Santana Castilho, professor do Ensino Superior e especialista em gestão educativa, acredita que o que levou ao suicídio o professor José António Martins, de Vouzela, foi um prolongado processo de assédio moral, que este especialista considera ser a vertente dominante da actual gestão educacional, dita moderna. Em declarações ao tvi24.pt, Santana Castilho reitera o que já tinha escrito na coluna que assina no jornal «Público»: «as escolas foram-se transformando em locais de subjugação, de vivência dolorosa e inútil, pequenas ilhas de tirania».


O que leva um professor a suicidar-se


«Não consigo mais ser um bom professor»


Nos casos extremos do professor Luís, de Sintra, e de José António Martins, de Vouzela, que Santana Castilho averiguou pessoalmente, a escola acabou por ser local de «tortura e de morte». «Há uma relação de causa-efeito entre as políticas seguidas e o acumular de estados depressivos dos professores», assegura ao tvi24.pt.


De José António Martins, Santana Castilho diz que «era um professor normalíssimo com uma vida normalíssima que entrou num processo de depressão porque os superiores lhe exigiam uma carga de trabalho que não podia suportar e lhe pediam responsabilidades sobre o que era humanamente impraticável». José António Martins «tinha uma consciência moral forte que o levava a sentir que o que estava a fazer não servia absolutamente para nada e que participava num ludíbrio», refere.


Santana Castilho explica que «se está a criar um drama nas escolas, uma cascata de efeitos sociais». «A pressão insuportável para promover artificialmente resultados, a incerteza crescente que caracteriza as relações de trabalho e a sua galopante desumanização, promovida por dirigentes sem alma, estão a destruir a escola pública», defende.


«Professores vão cada vez mais ao psiquiatra»


Professora relata drama «escondido» do mobbing


«O conceito de escola a tempo inteiro, com uma carga horária de 35 horas semanais, actividades escolares ao sábado e ao domingo que não encontram contrapartida nas remunerações salariais, um Estatuto do Aluno pré-ordenado para que os estudantes passem sem saber, um processo de gestão das escolas que saiu completamente do controlo dos professores são realidades que causam problemas terríveis a quem é sério», acrescenta.


Para Santana Castilho, «a corrupção da avaliação educacional, de que a avaliação individual de desempenho docente é o clímax, gerou medo, destruiu a cooperação e abriu caminho ao assédio moral dos professores, que conduz ao desespero e ao isolamento».


Santana Castilho entende que a avaliação dos professores só faz sentido se servir «para identificar obstáculos ao exercício correcto da actividade docente, para os remover, e não escravizar pessoas». Caso contrário, os «professores deixam de ser professores» e «crescem, assim, o número de escolas que se transformam em pequenas ilhas de tirania», à semelhança da experiência clássica de «ratos fechados numa gaiola que se tornam agressivos».


«Se não invertermos esta lógica, não nos devemos espantar se ao Luís e ao José António se sucederem outros», remata.