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quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Um ano depois de Luis Carmo ter saltado da ponte

 

 

 

 

Escola de Fitares. O diário póstumo do professor

por Kátia Catulo , Publicado em 10 de Novembro de 2010  |  Actualizado há 22 horas
Relatório da DREL fala das queixas, da indisciplina dos alunos e dos pedidos de ajuda do professor de Música que se suicidou em Março

O professor de Música atirou-se ao Tejo no dia 9 de Fevereiro por não suportar mais alguns dos alunos da Escola Básica 2+3 de Fitares (Sintra). A morte de L. V. C. apareceu nos jornais e na televisão depois de ser noticiada em Março pelo i, mas o inquérito a este caso acabou por ser arquivado em Maio pela Direcção Regional de Educação de Lisboa (DREL) por falta de "factos merecedores de censura jurídico--disciplinar". E assim se arrumou o assunto sem se perceber o que se passou com o docente de 51 anos que, antes de morrer, deixou uma nota no seu computador: "Se o meu destino é sofrer, dando aulas a alunos que não me respeitam e me põem fora de mim [...], a única solução apaziguadora será o suicídio." Nove meses depois de o professor saltar da Ponte 25 de Abril, o i teve acesso ao relatório final do inquérito, que relata passo a passo as dificuldades de L. V. C. em lidar com a indisciplina dos seus alunos.

Em três meses, o professor fez 15 participações disciplinares, apesar de só dez surgirem discriminadas no documento. Destas, só uma resultou na aplicação de uma medida correctiva a um aluno, que foi alvo de cinco queixas no total. L. V. C. denunciou o mau comportamento de vários adolescentes, mas houve um em particular que consumiu boa parte da sua paciência. A relação entre o professor e o aluno começou mal, logo no início das aulas, e o primeiro sintoma surge em Outubro de 2009 com uma participação escrita, depois de o rapaz o insultar chamando-lhe "careca" e resistir a uma ordem de saída de sala.

A directora de turma convoca a encarregada de educação para ir à escola, mas esse encontro só acontece um mês mais tarde e depois de o aluno já ter sido alvo de uma segunda queixa do professor. Desta vez o motivo são uns headphones que o rapaz estaria a usar na sala. Ao ser repreendido, terá respondido ao professor: "Você deve estar maluco." É a própria directora da escola a investigar o caso, acabando por concluir que o aluno não tinha consigo os auscultadores. O certo é que, duas semanas depois, o aluno volta a ser repreendido na aula por usar um leitor de MP3 "com som audível" e, nesse mesmo dia, é alvo de duas queixas disciplinares investigadas pela directora do agrupamento e consideradas "irrelevantes em termos disciplinares".

"Anda cá, Cão!" É só ao final da quinta participação, a 21 de Janeiro, que a direcção da escola pede ao director de turma um relatório com as ocorrências disciplinares do adolescente. A medida é desencadeada quando L. V. C. se queixa que o rapaz lhe diz "Anda cá, cão", batendo com a mão na perna. É a provocação do aluno por o professor não responder aos pedidos de ajuda para um trabalho de grupo.

O relatório chega às mãos da directora no prazo de uma semana e em "inícios de Fevereiro" - o documento da DREL não esclarece se antes ou depois da morte do professor - a directora da escola aceita a proposta de aplicar uma medida sancionatória ao adolescente. Mas a decisão acaba por ser substituída por uma medida correctiva de dez dias de trabalho na biblioteca e justificada como a mais adequada para não ter "repercussões" na progressão do aluno.

Outros adolescentes também estão na lista dos malcomportados de L. V. C. Há participações de alunos que "põem o telemóvel a tocar na aula" ou têm "sistematicamente" uma atitude de "provocação", que, segundo o relatório da DREL, não foram investigadas pela escola. Há ainda reacções "agressivas" contra o professor de Música ou "uma festa na cabeça" de L. V. C. que tiveram como única consequência disciplinar a repreensão da directora de turma e que terá sido suficiente para alterar o comportamento dos alunos.

Solidão O professor de Música era um homem reservado. Ninguém desconfiava da dimensão do seu desespero. E é esse o motivo que leva os responsáveis da DREL a explicar a razão por que o "diálogo" com os docentes ficou reduzido ao "estritamente necessário". Apesar disso, L. V. C. alertou por diversas vezes para os problemas disciplinares que tinha nas suas turmas. Manifestou as suas inquietações em três reuniões distintas, mas só numa delas essas queixas ficaram registadas em acta.

A indisciplina nas aulas não era um problema novo para o professor, já que na escola onde fora colocado no ano lectivo anterior encontrara os mesmos obstáculos, salienta o relatório. Perante o comportamento dos alunos, "agiu de forma idêntica" e obteve "resposta semelhante" nas duas escolas, conclui o documento. L. V. C. sempre encarou os problemas de indisciplina como "moinhos de vento", como em Março contou ao i o psicólogo que o acompanhou nos últimos dois anos. Só que o seu quadro clínico agravou-se meses antes da sua morte. As suas "fragilidades" deterioraram--se até sentir que a única resposta estaria no fundo do Tejo.

segunda-feira, 10 de maio de 2010

Carta dirigida A Paulo Guinote que tomei a liberdade de republicar, pois diz-nos respeito a todos:professores e cidadãos.

«Reencaminho um texto que enviei a uma jornalista, com a esperança de que ela não se esqueça do que aconteceu ao nosso colega Luís. Se o quiser publicar (…).

Um abraço»
Bom dia, (…)!
É com alguma mágoa que lhe recordo que o meu colega Luís faz hoje três meses que não aguentou o desespero e se atirou ao Tejo. Deixou de ter notícias nos jornais, nas televisões e nos blogues de professores… só as suas cinzas pairam, algures, no nosso mundo.
Lamento que um idealista, um inconformado, um artista, não tenha encontrado uma mão amiga que o tenha ajudado a perceber a escola onde foi parar e tivesse ganho resiliência para enfrentar um ambiente adverso.
Pela minha parte só percebi que algo de estranho estava a acontecer, quando ele deixou de aparecer na sala de professores. Foi-me dito, em surdina, que se pensava que se tinha suicidado, pois parecia que a directora “lhe queria fazer a folha” e ele não aguentara a pressão, o mau comportamento dos alunos, a não aplicação das medidas disciplinares sancionatórias previstas na lei. Afinal, era preciso demonstrar à comunidade que tudo corria sobre rodas e que a senhora que dirigia a escola tudo resolvia!
Após contacto com a família, veio a confirmação das suspeitas: ele não aguentara a humilhação a que diariamente era sujeito…
A família pediu que não se divulgasse pois iria colocar o problema ao Conselho Pedagógico e ao Conselho Geral, para que aquela morte obrigasse a uma profunda reflexão na escola.
Nada aconteceu. A carta foi guardada como se se tratasse de correspondência pessoal.
Então, o caminho a seguir seria a queixa perante as instituições que supervisionam a escola pública: DRELVT e a IGE. Mais uma vez nada aconteceu. Restou o contacto com o seu jornal, através da sua pessoa. Rapidamente os sinos tocaram a rebate: os órgãos de comunicação social mobilizaram-se (afinal o Luís também já fora jornalista) e a DRELVT saíu da Praça de Alvalade, mandou instaurar um inquérito e atribuir apoio psicológico aos alunos que pudessem estar envolvidos.
Sobre a nomeação do inquiridor, muito se tem escrito, mas também muito se tem ocultado, pois as pessoas ouvidas no âmbito do inquérito têm que manter silêncio sobre o que tem acontecido, apesar de muitas não estarem a aguentar a pressão, e os métodos pouco ortodoxos utilizados. Quem viveu antes do 25 de Abril, sabe, como de repente, lhe aparecia alguém em casa ou no emprego, para obter informações… Mas não deve ser difícil chegar à verdadeira razão que terá levado a IGE  a nomear um inspector/advogado para este caso. Afinal, a senhora directora precisa de alguém que a defenda!
Passaram dois meses sobre a nomeação do referido inquiridor. O tempo de instrução de um processo é de 45 dias.
Diz-se que o problema é complicado, que existe luta pelo poder dentro da escola. Mas quem é que, estando de bem com a vida, pretende ocupar aquele lugar? Basta de atirar areia para os olhos das pessoas e juntar as pontas: o colega Luís era humilhado, maltratado, fazia participações disciplinares, colocava alunos fora da sala de aula, a directora repreendia-o e obrigava o professor a receber os alunos de volta. A figura daquela senhora intimidava-o, como ele próprio deixou escrito. A legislação não foi cumprida, o Regumamento Interno também não, o próprio Projecto Educativo contém medidas a tomar para prevenir a indisciplina que não foram seguidas… Onde está a dificuldade em fazer o diagnóstico da situação?
É mais conveniente ir por outros caminhos, para camuflar o que aconteceu. Mas afinal,a quem interessa saber o que aconteceu em 2008/2009, em termos disciplinares? A morte não ocorreu este ano? Ainda vão, certamente apurar, que foi a anterior direcção a responsável!
E já agora, a quem é atribuída a perseguição à cozinheira de uma das escolas, e o não funcionamento das diferentes Associações de Pais? Repare-se que o Conselho Geral deixou de reunir e o próprio Conselho Pedagógico não está constituído nos termos da lei.
Muita matéria haveria para verificar, afinal a Educação interessa a todos e os caminhos tortuosos que se têm seguido só têm gasto dinheiro aos bolsos dos contribuintes.
Espero que este tema não seja encerrado, e continue a ser objecto de reflexão. O tempo para apurar os factos já terminou. No caso do Leandro bastaram dez dias.
A vida já não a podemos devolver ao colega, mas podemos preservar, com dignidade, a sua memória. É isso que procurarei fazer, hoje, que completam três meses após a sua morte e sempre que me recorde do que aconteceu  no local de trabalho onde me sentava à sua frente e via os eus olhos tristes e angustiados.
M.L.