Tunis. Palácio do Governo. foto de DAF
O Presidente tunisino Ben Ali abandonou o país esta sexta-feira perante uma imparável onda de protestos. O primeiro-ministro assumiu o poder, mas é o exército que controla as ruas
O Presidente Ben Ali, que durante 23 anos dirigiu a Tunísia com mão de ferro, deixou esta sexta-feira o país. O seu paradeiro é incerto mas sabe-se que França e Malta terão recusado conceder-lhe asilo. O chefe de Estado, que quinta-feira tinha anunciado que não iria concorrer às Presidenciais de 2014 numa tentativa de conter a revolta dos cidadãos, terá sido forçado a abandonar o poder perante a vaga de contestação das últimas semanas.
A Tunísia encontra-se sob estado de emergência, o espaço aéreo encontra-se encerrado e o país é efectivamente controlado, esta sexta-feira, pelo exército. Formalmente, o primeiro-ministro Mohamed Ghannouchi assumiu os poderes presidenciais, tendo já falado à nação, a quem pediu «união e patriotismo».
«Uma vez que o Presidente se encontra temporariamente impedido de exercer os seus poderes, foi decidido que o primeiro-ministro assumirá temporariamente esse poder», afirmou Ghannouchi, economista de formação.
Ben Ali tinha demitido esta manhã o Governo, antes de abandonar o poder, e convocado eleições para Junho próximo.
Em Paris, onde o líder demissionário tunisino deverá chegar ainda hoje, uma coligação de partidos e movimentos da oposição, legais e proibidos, divulgaram uma declaração conjunta em que apelam à constituição de um governo interino de união nacional até às próximas eleições legislativas. Entre os signatários da proposta contam-se forças progressistas, islamistas moderados e comunistas.
Crise derrubou Ali
Os protestos na Tunísia, que prosseguem ainda hoje, começaram em Dezembro após o suicídio de um jovem diplomado no desemprego, a quem a polícia confiscou a banca de fruta que garantia a sua subsistência.
A recente revelação de comunicações secretas norte-americanas pelo site de denúncias Wikileaks, que referem os negócios corruptos da família de Ben Ali, que controla a economia do país, também inflamaram o mal-estar dos tunisinos, que após décadas de estabilidade e relativa prosperidade, sentem de forma particularmente dura os efeitos da crise financeira internacional.
Perto de uma centena de pessoas terá morrido durante os confrontos das últimas semanas, apesar dos números oficiais darem conta de pouco mais de 20 vítimas.
A expectativa de contágio
Os acontecimentos desta sexta-feira são descritos por analistas como Hashem Ahelbarra, da Al Jazeera, como um «terramoto», «algo inaudito». O derrube do líder autoritário tunisino perante o poder das ruas é visto com surpresa na generalidade do mundo árabe, onde vários países contam com os mesmos ingredientes que causaram a presente onda de contestação em Tunes: o desemprego, a inflação, a ausência de liberdade e a corrupção das classes dirigentes.
Na internet, tanto nas redes sociais como nas páginas de órgãos de informação internacionais, multiplicam-se apelos à 'exportação' da revolta para países como o Egipto, onde Mubarak está há 29 anos no poder, e a Síria, nação dirigida pelo clã Al-Assad desde 1970.
Portugueses seguros na Tunísia
Entre os cerca de 120 cidadãos portugueses registados na Tunísia não há casos de pessoas atingidas pelos confrontos das últimas semanas, segundo afirma fonte governamental.
Para além dos portugueses residentes no país, existe neste momento um número não contabilizado de cidadãos de férias naquela nação do Norte de África. De acordo com a Associação Portuguesa de Agências de Viagens, não existe até ao momento um plano para repatriar os turistas, nem nenhum pedido de auxílio por parte dos viajantes.
Situação calma na Argélia
A oeste, no estado mais rico e populoso do Norte de África, os protestos da semana passada não deverão ganhar a dimensão adquirida na vizinha Tunísia. Ao SOL, o embaixador de Portugal em Argel, José Fernando Moreira da Cunha, indica motivações diferentes para os confrontos que causaram a morte a pelo menos três pessoas.
«Os incidentes da passada semana foram exacerbados pela imprensa internacional. Registaram-se alguns tumultos provocados espontaneamente por grupos de jovens, muitos deles desempregados, que não visaram voluntariamente a integridade física das pessoas. A intervenção policial foi muito ponderada, conforme é normal num país com uma vasta experiência na contenção de distúrbios, o que permitiu controlar a situação sem ocasionar um maior número de vítimas», explica o diplomata.
O embaixador recusa uma relação directa entre os acontecimentos da Tunísia e os tumultos argelinos, mas admite uma coincidência temporal.
«A situação social e económica dos dois países não é comparável, e na Tunísia haverá porventura reivindicações políticas que aqui não foram identificadas. Na Argélia, estes protestos, despoletados pelo aumento dos preços de alguns bens alimentares, limitaram-se a uma faixa jovem e menos favorecida, não tendo havido uma adesão de outras gerações ou camadas sociais, nem sequer das mulheres, o que contrasta com a generalização dos protestos na Tunísia. Não é de descartar, ainda assim, que possa ter havido um efeito de contágio do país vizinho para determinar o timing dos acontecimentos», afirmou ao SOL.
O diplomata português esteve quarta-feira reunidos com empresários lusos na Argélia para «recordar algumas medidas básicas de segurança». A comunidade portuguesa no país é constituída sobretudo por «trabalhadores enquadrados em grandes empresas portuguesas e que têm evidenciado grande consciência das vicissitudes deste país».
«São pessoas que souberam integrar-se perfeitamente na comunidade local e que foram bem acolhidas pela população argelina», descreve o embaixador.
pedro.guerreiro@sol.pt com agências
Sem comentários:
Enviar um comentário