sexta-feira, 23 de dezembro de 2011
A seco,sem consulta prevista...assim se revoga tudo
A seguir revogam o 25 de Abril
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E CIÊNCIA
Gabinete do Ministro
Despacho n.º 17169/2011
O documento Currículo Nacional do Ensino Básico — Competências
Essenciais, divulgado em 2001, foi assumido a partir do ano lectivo
2001/2002 como a referência central para o desenvolvimento do currículo
e nos documentos orientadores do Ensino Básico.
O documento, contudo, continha uma série de insuficiências que na
altura foram debatidas, mas não ultrapassadas, e que, ao longo dos anos,
se vieram a revelar questionáveis ou mesmo prejudiciais na orientação
do ensino.
Por um lado, o documento não é suficientemente claro nas recomendações
que insere. Muitas das ideias nele defendidas são demasiado
ambíguas para possibilitar uma orientação clara da aprendizagem. A
própria extensão do texto, as repetições de ideias e a mistura de orientações
gerais com determinações dispersas tornaram -no num documento
curricular pouco útil.
Por outro lado, o documento insere uma série de recomendações
pedagógicas que se vieram a revelar prejudiciais. Em primeiro lugar,
erigindo a categoria de «competências» como orientadora de todo
o ensino, menorizou o papel do conhecimento e da transmissão
de conhecimentos, que é essencial a todo o ensino. Em segundo
lugar, desprezou a importância da aquisição de informação, do
desenvolvimento de automatismos e da memorização. Em terceiro
lugar, substituiu objectivos claros, precisos e mensuráveis por objectivos
aparentemente generosos, mas vagos e difíceis, quando
não impossíveis de aferir. Dessa forma, dificultou a avaliação formativa
e sumativa da aprendizagem. As competências não devem
ser apresentadas como categoria que engloba todos os objectivos
de aprendizagem, devendo estes ser claramente decompostos em
conhecimentos e capacidades. Os conhecimentos e a sua aquisição
têm valor em si, independentemente de serem mobilizados para a
aplicação imediata.
Em síntese, o referido documento aderiu a versões extremas de algumas
orientações pedagógicas datadas e não fundamentadas cientificamente.
E fê -lo pretendendo impor essas visões como orientadoras
oficiais de toda a aprendizagem.
Sendo verdade que cabe às instituições oficiais ter em consideração
a experiência educativa e os conhecimentos científicos relevantes
para o ensino, também é verdade que não lhes cabe impor às escolas
e aos professores orientações pedagógicas extremas, nem o currículo
se deve tornar um veículo para a imposição do experimentalismo
pedagógico.
O Ministério da Educação e Ciência pretende reduzir o controlo central
de todo o sistema educativo, assim como o excesso de regulamentação
e a burocracia. O currículo nacional deve definir os conhecimentos e as
capacidades essenciais que todos os alunos devem adquirir e permitir
aos professores decidir como ensinar de forma mais eficaz, gerindo o
currículo e organizando da melhor forma a sua actividade lectiva. Assim,
deverá dar -se aos professores uma maior liberdade profissional sobre a
forma como organizam e ensinam o currículo. Em paralelo, deverá ser
feita uma avaliação mais rigorosa sobre o resultado do seu trabalho e
do da escola, primordialmente através da avaliação dos conhecimentos
adquiridos pelos alunos.
Neste quadro, e no respeito pelas orientações decorrentes da Lei de
Bases do Sistema Educativo e das grandes medidas para a educação
anunciadas no programa do XIX Governo Constitucional, verifica -se
que o documento Currículo Nacional do Ensino Básico — Competências
Essenciais não reúne condições de ser orientador da política educativa
preconizada para o Ensino Básico, pelo que se dá por finda a sua
aplicação.
O currículo deverá incidir sobre conteúdos temáticos, destacando o
conhecimento essencial e a compreensão da realidade que permita aos
alunos tomarem o seu lugar como membros instruídos da sociedade.
É decisivo que, no futuro, não se desvie a atenção dos elementos
essenciais, isto é, os conteúdos, e que estes se centrem nos aspectos
fundamentais. Desta forma, o desenvolvimento do ensino em cada
disciplina curricular será referenciado pelos objectivos curriculares e
conteúdos de cada programa oficial e pelas metas de aprendizagem de
cada disciplina.
Nestes termos, determino o seguinte:
a) O documento Currículo Nacional do Ensino Básico — Competências
Essenciais deixa de constituir documento orientador do Ensino
Básico em Portugal;
b) As orientações curriculares desse documento deixam de constituir
referência para os documentos oficiais do Ministério da Educação e
Ciência, nomeadamente para os programas, metas de aprendizagem,
provas e exames nacionais;
c) Os programas existentes e os seus auxiliares constituem documentos
orientadores do ensino, mas as referências que neles se encontram a
conceitos do documento Currículo Nacional do Ensino Básico — Competências
Essenciais deixam de ser interpretados à luz do que nele é
exposto;
d) Os serviços competentes do Ministério de Educação e Ciência,
através da Secretaria de Estado do Ensino Básico e Secundário, irão
elaborar documentos clarificadores das prioridades nos conteúdos fundamentais
dos programas; esses documentos constituirão metas curriculares
a serem apresentadas à comunidade educativa, e serão objecto
de discussão pública prévia à sua aprovação.
12 de Dezembro de 2011. — O Ministro da Educação e Ciência, Nuno
Paulo de Sousa Arrobas Crato.
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quarta-feira, 21 de dezembro de 2011
terça-feira, 20 de dezembro de 2011
Carta aberta ao 1º ministro (do Facebook)
Exmo Senhor Primeiro Ministro
Começo por me apresentar, uma vez que estou certa que nunca ouviu falar de mim. Chamo-me Myriam. Myriam Zaluar é o meu nome “de guerra”. Basilio é o apelido pelo qual me conhecem os meus amigos mais antigos e também os que, não sendo amigos, se lembram de mim em anos mais recuados.
Nasci em França, porque o meu pai teve de deixar o seu país aos 20 e poucos anos. Fê-lo porque se recusou a combater numa guerra contra a qual se erguia. Fê-lo porque se recusou a continuar num país onde não havia liberdade de dizer, de fazer, de pensar, de crescer. Estou feliz por o meu pai ter emigrado, porque se não o tivesse feito, eu não estaria aqui. Nasci em França, porque a minha mãe teve de deixar o seu país aos 19 anos. Fê-lo porque não tinha hipóteses de estudar e desenvolver o seu potencial no país onde nasceu. Foi para França estudar e trabalhar e estou feliz por tê-lo feito, pois se assim não fosse eu não estaria aqui. Estou feliz por os meus pais terem emigrado, caso contrário nunca se teriam conhecido e eu não estaria aqui. Não tenho porém a ingenuidade de pensar que foi fácil para eles sair do país onde nasceram. Durante anos o meu pai não pôde entrar no seu país, pois se o fizesse seria preso. A minha mãe não pôde despedir-se de pessoas que amava porque viveu sempre longe delas. Mais tarde, o 25 de Abril abriu as portas ao regresso do meu pai e viemos todos para o país que era o dele e que passou a ser o nosso. Viemos para viver, sonhar e crescer.
Cresci. Na escola, distingui-me dos demais. Fui rebelde e nem sempre uma menina exemplar mas entrei na faculdade com 17 anos e com a melhor média daquele ano: 17,6. Naquela altura, só havia três cursos em Portugal onde era mais dificil entrar do que no meu. Não quero com isto dizer que era uma super-estudante, longe disso. Baldei-me a algumas aulas, deixei cadeiras para trás, saí, curti, namorei, vivi intensamente, mas mesmo assim licenciei-me com 23 anos. Durante a licenciatura dei explicações, fiz traduções, escrevi textos para rádio, coleccionei estágios, desperdicei algumas oportunidades, aproveitei outras, aprendi muito, esqueci-me de muito do que tinha aprendido.
Cresci. Conquistei o meu primeiro emprego sozinha. Trabalhei. Ganhei a vida. Despedi-me. Conquistei outro emprego, mais uma vez sem ajudas. Trabalhei mais. Saí de casa dos meus pais. Paguei o meu primeiro carro, a minha primeira viagem, a minha primeira renda. Fiquei efectiva. Tornei-me personna non grata no meu local de trabalho. “És provavelmente aquela que melhor escreve e que mais produz aqui dentro.” – disseram-me – “Mas tenho de te mandar embora porque te ris demasiado alto na redacção”. Fiquei.
Aos 27 anos conheci a prateleira. Tive o meu primeiro filho. Aos 28 anos conheci o desemprego. “Não há-de ser nada, pensei. Sou jovem, tenho um bom curriculo, arranjarei trabalho num instante”. Não arranjei. Aos 29 anos conheci a precariedade. Desde então nunca deixei de trabalhar mas nunca mais conheci outra coisa que não fosse a precariedade. Aos 37 anos, idade com que o senhor se licenciou, tinha eu dois filhos, 15 anos de licenciatura, 15 de carteira profissional de jornalista e carreira ‘congelada’. Tinha também 18 anos de experiência profissional como jornalista, tradutora e professora, vários cursos, um CAP caducado, domínio total de três línguas, duas das quais como “nativa”. Tinha como ordenado ‘fixo’ 485 euros x 7 meses por ano. Tinha iniciado um mestrado que tive depois de suspender pois foi preciso escolher entre trabalhar para pagar as contas ou para completar o curso. O meu dia, senhor primeiro ministro, só tinha 24 horas…
Cresci mais. Aos 38 anos conheci o mobbying. Conheci as insónias noites a fio. Conheci o medo do amanhã. Conheci, pela vigésima vez, a passagem de bestial a besta. Conheci o desespero. Conheci – felizmente! – também outras pessoas que partilhavam comigo a revolta. Percebi que não estava só. Percebi que a culpa não era minha. Cresci. Conheci-me melhor. Percebi que tinha valor.
Senhor primeiro-ministro, vou poupá-lo a mais pormenores sobre a minha vida. Tenho a dizer-lhe o seguinte: faço hoje 42 anos. Sou doutoranda e investigadora da Universidade do Minho. Os meus pais, que deviam estar a reformar-se, depois de uma vida dedicada à investigação, ao ensino, ao crescimento deste país e das suas filhas e netos, os meus pais, que deviam estar a comprar uma casinha na praia para conhecerem algum descanso e descontracção, continuam a trabalhar e estão a assegurar aos meus filhos aquilo que eu não posso. Material escolar. Roupa. Sapatos. Dinheiro de bolso. Lazeres. Actividades extra-escolares. Quanto a mim, tenho actualmente como ordenado fixo 405 euros X 7 meses por ano. Sim, leu bem, senhor primeiro-ministro. A universidade na qual lecciono há 16 anos conseguiu mais uma vez reduzir-me o ordenado. Todo o trabalho que arranjo é extra e a recibos verdes. Não sou independente, senhor primeiro ministro. Sempre que tenho extras tenho de contar com apoios familiares para que os meus filhos não fiquem sozinhos em casa. Tenho uma dívida de mais de cinco anos à Segurança Social que, por sua vez, deveria ter fornecido um dossier ao Tribunal de Família e Menores há mais de três a fim que os meus filhos possam receber a pensão de alimentos a que têm direito pois sou mãe solteira. Até hoje, não o fez.
Tenho a dizer-lhe o seguinte, senhor primeiro-ministro: nunca fui administradora de coisa nenhuma e o salário mais elevado que auferi até hoje não chegava aos mil euros. Isto foi ainda no tempo dos escudos, na altura em que eu enchia o depósito do meu renault clio com cinco contos e ia jantar fora e acampar todos os fins-de-semana. Talvez isso fosse viver acima das minhas possibilidades. Talvez as duas viagens que fiz a Cabo-Verde e ao Brasil e que paguei com o dinheiro que ganhei com o meu trabalho tivessem sido luxos. Talvez o carro de 12 anos que conduzo e que me custou 2 mil euros a pronto pagamento seja um excesso, mas sabe, senhor primeiro-ministro, por mais que faça e refaça as contas, e por mais que a gasolina teime em aumentar, continua a sair-me mais em conta andar neste carro do que de transportes públicos. Talvez a casa que comprei e que devo ao banco tenha sido uma inconsciência mas na altura saía mais barato do que arrendar uma, sabe, senhor primeiro-ministro. Mesmo assim nunca me passou pela cabeça emigrar…
Mas hoje, senhor primeiro-ministro, hoje passa. Hoje faço 42 anos e tenho a dizer-lhe o seguinte, senhor primeiro-ministro: Tenho mais habilitações literárias que o senhor. Tenho mais experiência profissional que o senhor. Escrevo e falo português melhor do que o senhor. Falo inglês melhor que o senhor. Francês então nem se fale. Não falo alemão mas duvido que o senhor fale e também não vejo, sinceramente, a utilidade de saber tal língua. Em compensação falo castelhano melhor do que o senhor. Mas como o senhor é o primeiro-ministro e dá tão bons conselhos aos seus governados, quero pedir-lhe um conselho, apesar de não ter votado em si. Agora que penso emigrar, que me aconselha a fazer em relação aos meus dois filhos, que nasceram em Portugal e têm cá todas as suas referências? Devo arrancá-los do seu país, separá-los da família, dos amigos, de tudo aquilo que conhecem e amam? E, já agora, que lhes devo dizer? Que devo responder ao meu filho de 14 anos quando me pergunta que caminho seguir nos estudos? Que vale a pena seguir os seus interesses e aptidões, como os meus pais me disseram a mim? Ou que mais vale enveredar já por outra via (já agora diga-me qual, senhor primeiro-ministro) para que não se torne também ele um excedentário no seu próprio país? Ou, ainda, que venha comigo para Angola ou para o Brasil por que ali será com certeza muito mais valorizado e feliz do que no seu país, um país que deveria dar-lhe as melhores condições para crescer pois ele é um dos seus melhores – e cada vez mais raros – valores: um ser humano em formação.
Bom, esta carta que, estou praticamente certa, o senhor não irá ler já vai longa. Quero apenas dizer-lhe o seguinte, senhor primeiro-ministro: aos 42 anos já dei muito mais a este país do que o senhor. Já trabalhei mais, esforcei-me mais, lutei mais e não tenho qualquer dúvida de que sofri muito mais. Ganhei, claro, infinitamente menos. Para ser mais exacta o meu IRS do ano passado foi de 4 mil euros. Sim, leu bem, senhor primeiro-ministro. No ano passado ganhei 4 mil euros. Deve ser das minhas baixas qualificações. Da minha preguiça. Da minha incapacidade. Do meu excedentarismo. Portanto, é o seguinte, senhor primeiro-ministro: emigre você, senhor primeiro-ministro. E leve consigo os seus ministros. O da mota. O da fala lenta. O que veio do estrangeiro. E o resto da maralha. Leve-os, senhor primeiro-ministro, para longe. Olhe, leve-os para o Deserto do Sahara. Pode ser que os outros dois aprendam alguma coisa sobre acordos de pesca.
Com o mais elevado desprezo e desconsideração, desejo-lhe, ainda assim, feliz natal OU feliz ano novo à sua escolha, senhor primeiro-ministro e como eu sou aqui sem dúvida o elo mais fraco, adeus
Myriam Zaluar, 19/12/2011