segunda-feira, 10 de maio de 2010

Carta dirigida A Paulo Guinote que tomei a liberdade de republicar, pois diz-nos respeito a todos:professores e cidadãos.

«Reencaminho um texto que enviei a uma jornalista, com a esperança de que ela não se esqueça do que aconteceu ao nosso colega Luís. Se o quiser publicar (…).

Um abraço»
Bom dia, (…)!
É com alguma mágoa que lhe recordo que o meu colega Luís faz hoje três meses que não aguentou o desespero e se atirou ao Tejo. Deixou de ter notícias nos jornais, nas televisões e nos blogues de professores… só as suas cinzas pairam, algures, no nosso mundo.
Lamento que um idealista, um inconformado, um artista, não tenha encontrado uma mão amiga que o tenha ajudado a perceber a escola onde foi parar e tivesse ganho resiliência para enfrentar um ambiente adverso.
Pela minha parte só percebi que algo de estranho estava a acontecer, quando ele deixou de aparecer na sala de professores. Foi-me dito, em surdina, que se pensava que se tinha suicidado, pois parecia que a directora “lhe queria fazer a folha” e ele não aguentara a pressão, o mau comportamento dos alunos, a não aplicação das medidas disciplinares sancionatórias previstas na lei. Afinal, era preciso demonstrar à comunidade que tudo corria sobre rodas e que a senhora que dirigia a escola tudo resolvia!
Após contacto com a família, veio a confirmação das suspeitas: ele não aguentara a humilhação a que diariamente era sujeito…
A família pediu que não se divulgasse pois iria colocar o problema ao Conselho Pedagógico e ao Conselho Geral, para que aquela morte obrigasse a uma profunda reflexão na escola.
Nada aconteceu. A carta foi guardada como se se tratasse de correspondência pessoal.
Então, o caminho a seguir seria a queixa perante as instituições que supervisionam a escola pública: DRELVT e a IGE. Mais uma vez nada aconteceu. Restou o contacto com o seu jornal, através da sua pessoa. Rapidamente os sinos tocaram a rebate: os órgãos de comunicação social mobilizaram-se (afinal o Luís também já fora jornalista) e a DRELVT saíu da Praça de Alvalade, mandou instaurar um inquérito e atribuir apoio psicológico aos alunos que pudessem estar envolvidos.
Sobre a nomeação do inquiridor, muito se tem escrito, mas também muito se tem ocultado, pois as pessoas ouvidas no âmbito do inquérito têm que manter silêncio sobre o que tem acontecido, apesar de muitas não estarem a aguentar a pressão, e os métodos pouco ortodoxos utilizados. Quem viveu antes do 25 de Abril, sabe, como de repente, lhe aparecia alguém em casa ou no emprego, para obter informações… Mas não deve ser difícil chegar à verdadeira razão que terá levado a IGE  a nomear um inspector/advogado para este caso. Afinal, a senhora directora precisa de alguém que a defenda!
Passaram dois meses sobre a nomeação do referido inquiridor. O tempo de instrução de um processo é de 45 dias.
Diz-se que o problema é complicado, que existe luta pelo poder dentro da escola. Mas quem é que, estando de bem com a vida, pretende ocupar aquele lugar? Basta de atirar areia para os olhos das pessoas e juntar as pontas: o colega Luís era humilhado, maltratado, fazia participações disciplinares, colocava alunos fora da sala de aula, a directora repreendia-o e obrigava o professor a receber os alunos de volta. A figura daquela senhora intimidava-o, como ele próprio deixou escrito. A legislação não foi cumprida, o Regumamento Interno também não, o próprio Projecto Educativo contém medidas a tomar para prevenir a indisciplina que não foram seguidas… Onde está a dificuldade em fazer o diagnóstico da situação?
É mais conveniente ir por outros caminhos, para camuflar o que aconteceu. Mas afinal,a quem interessa saber o que aconteceu em 2008/2009, em termos disciplinares? A morte não ocorreu este ano? Ainda vão, certamente apurar, que foi a anterior direcção a responsável!
E já agora, a quem é atribuída a perseguição à cozinheira de uma das escolas, e o não funcionamento das diferentes Associações de Pais? Repare-se que o Conselho Geral deixou de reunir e o próprio Conselho Pedagógico não está constituído nos termos da lei.
Muita matéria haveria para verificar, afinal a Educação interessa a todos e os caminhos tortuosos que se têm seguido só têm gasto dinheiro aos bolsos dos contribuintes.
Espero que este tema não seja encerrado, e continue a ser objecto de reflexão. O tempo para apurar os factos já terminou. No caso do Leandro bastaram dez dias.
A vida já não a podemos devolver ao colega, mas podemos preservar, com dignidade, a sua memória. É isso que procurarei fazer, hoje, que completam três meses após a sua morte e sempre que me recorde do que aconteceu  no local de trabalho onde me sentava à sua frente e via os eus olhos tristes e angustiados.
M.L.

7 comentários:

  1. Compreendo muito bem a situação porque, há muitos anos, quando deixei o ensino (na altura era do 5ºgrupo), uma das razões foi, precisamente, por não ter aguentado a indisciplina e sei que as coisas desde aí, têm piorado bastante.
    Quem não conhece um bocadinho do que se passa dentro das escolas nem sequer consegue imaginar como é difícil ser professor, especialmente quando se quer inventar que tudo corre sobre rodas.

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  2. A legislação a respeito da indisciplina pode estar bem feita mas, todos nós professores, sabemos que os casos de indisciplina na maior parte das vezes acabam por dar em nada. Faz-se montes de relatórios, perde-se tempo em reuniões; mas o sistema está feito para jogar com atenuantes e mais atenuantes e, é um sistema tão intrincado que...
    Depois os encarregados ainda têm que dizer se autorizam que os filhos sejam penalizados ou não...
    Acaba normalmente tudo, em muita condescendência e fica tudo em águas de bacalhau!
    Infelizmente os conselhos Executivos ainda atiram à cara dos professores que estes é que não sabem impôr.
    As escolas são armazéns onde há de tudo. Os alunos que andam a prejudicar os professores e alunos que querem aproveitar o máximo, andam nas palminhas das mãos para não haver tanto abandono escolar.
    A escola deve ser inclusiva mas não de alunos que só andam ali para quebrar a harmonia. Muitos são forçados a andar na escola; os seus interesses são divergentes à escola.
    Esperem para ver, com o 12º ano obrigatório!
    Há crianças que deviam ser encaminhadas para outro tipo de ensino, logo após o 5º ano!

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  3. Pois, ainda o 5º grupo era dos menos fustigados, pela sua natureza. Foi o meu grupo,também, (agora têm todos uns códigos ranhosos...como quem os inventou.
    Os processos disciplinares são uma treta feita para perder tempo...Já instruí muitos. Um formalismo absurdo e balofo! Somos nós juristas?
    E dez dias para instruir um processo? Devia ser a IGE a instaurar TODOS os processos aos alunos!

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  4. Acho que estas coisas não se podem deixar caír no esquecimento !

    Não sou professor e por isso não posso falar por experiência própria.

    Tenho 2 sobrinhas professoras em situações curiosas:
    Uma anda há anos em tratamento psiquiátrico (provocado pelo stress da profissão e vai dando aulas "periodicamente" de acordo com o aconselhamento da psiquiatra.
    Outra, que felizmente está bem, desloca-se diariamente 80 km. porque se sente bem onde está e tendo a possibilidade de dar aulas muito mais perto da casa, não quer "arriscar", por mêdo do "ambiente" que pudesse vir a encontar.
    .

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  5. Isto encontra-se em todos os países de cultura ocidental. Um amigo dá aulas de inglês, fartou-se destas condições de trabalho. Mudou-se para HongKong e está extremente admirado e lógicamente satisfeito com o clima de trabalho. Alunos trabalhadores, disciplinados, educados e pais que colaboram com os professores. Este civilização ocitental está aproxima-se do declínio. Qualquer dia faz Boumcatrapum

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  6. Portugal está num grande desnorte...Isso é conveniente para muita gente...

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  7. Posso responder ao post da "Marota, esclarecendo que o mal não é bem da cultura ocidental. Basta observarmos o espírito de trabalho e comportamentos dos alunos ucranianos e em geral dos países de leste. Têm espírito de sacrifício, estão dispostos a trabalhar, têm perspectivas e lutam elas.

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